Enviaram-me há dias uma revista de informação económica muito conceituada no mundo dos negócios. Foi um exemplar de oferta destinado a angariar assinantes com o sugestivo título de capa: “os 25 mais ricos de Portugal”.
Em tempo de extremas dificuldades de milhares e milhares de famílias, é acintoso dar a conhecer a fortuna do sr. Santos que ultrapassa os 2 milhões milhões de euros, ou a do sr. Amorim que tem poucos milhões a menos, e a do pequeno grupo de poderosos deste pequeno país, onde poucos senhores e senhoras, provenientes ou não de famílias endinheiradas, amealharam riquezas impressionantes.
Inaceitável, a meu ver, é apresentar essas pessoas, donos de empresas cotadas em bolsa, como ícones de empreendedorismo, de tenacidade, de trabalho, quando milhares e milhares de pequenos e médios empresários trabalhando lado a lado com empregados, desenvolvem uma luta diária para garantir o seu sustento e o das famílias que deles dependem, e se confrontam com barreiras intransponíveis para obter pequenos créditos ou para cumprir compromissos bancários, sem ajuda de ninguém.
Os patamares sociais dos Santos, Mello, Amorim, Azevedo e Berardo, e dos restantes da lista dourada da revista gratuita que me enviaram, adquirem um estatuto de exceção junto das instituições financeiras que, empenhadamente, cuidam dos seus ganhos, insucessos e más gestões para não os levarem à ruína.
Para eles há sempre, após conversações demoradas e complexas, alternativas para saldar dívidas, longos períodos de carência para salvaguardar valores e créditos, ações e propriedades.
Os mais ricos deste mundo “prestigiam” as instituições com quem negoceiam e de que muitas vezes são acionistas, por isso, há que tratá-los com cuidado e simpatia, conforme o seu estatuto social, não vão eles transferir o capital para a concorrência interna ou exterior.
No mundo dos negócios, o sigilo parece ser a regra fundamental. O atual ministro da economia a quem cabe agir e lutar pela transparência e clareza nos processos e negócios públicos, admitia essa postura governativa, ao falar da concessão de exploração de minas. Gerir os negócios públicos na penumbra dos gabinetes, de forma sigilosa, é deitar por terra os fundamentos do estado de direito que não se compadece com favores e concessões particulares que afetam o bem comum.
Ao falar-se dos senhores do dinheiro, omite-se, habitualmente, os processos de aquisição das fortunas, os montantes de salários pagos aos trabalhadores, as benesses de que usufruem os patrões, tudo na lógica do segredo é a alma do negócio e da propriedade como bem supremo.
Mas não deveria ser assim.
Vários pensadores afirmaram há séculos (1.): “a terra foi dada a todos e não apenas aos ricos” e “não dás da tua fortuna ao seres generoso com o pobre, dás daquilo que lhe pertence”. Mais recentemente Paulo VI (2.) declarou:”Ninguém tem direito de reservar para seu uso exclusivo aquilo que é supérfluo, quando a outros falta o necessário”.
No processo de enriquecimento, nem tudo é justo e reto, sabemo-lo bem, e por isso surgem as lutas e guerras sanguinárias provocadas pelo “liberalismo sem freio que conduziu à ditadura do imperialismo internacional do dinheiro” (3.).
Em países com economias emergentes como a Índia, algo está a mudar: nos próximos vinte anos estima-se que aumente, em grande escala, a classe média, reduzindo assim o número de pobres.
Esta é uma boa notícia para a sociedade nova que aqui e ali começa a surgir.
Felizmente, há países e jovens empresários norteados por valores humanistas. Este é o caminho para uma sociedade solidária, a única capaz de ultrapassar as crises de um sistema “que considerava o lucro como motor essencial do progresso económico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como direito absoluto, sem limite nem obrigações sociais correspondentes.”(4.).
Ao valorizar-se os bilionários deste país, admitindo embora que as suas fortunas foram afetadas pela crise, reconhece-se que o sistema económico é injusto porque gera desigualdades gritantes e que o sistema político foi e é incapaz de promover o bem comum e os direitos humanos.
Esta é a reflexão que deveria estar na ordem do dia.
1. J.-R.Palanque, Saint Ambroise et l'empire romain, Paris 1933, p 336 s.
2. Paulo VI-Populorum Progressio, n.23
4. Idem, n.26
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